Aguarde...
Muito prazer, eu sou herdeiro da senzala Brasil. Sangue do sangue outrora derramado por ganância e ambição. Sangue do sangue ainda hoje derramado por ganância e ambição. Fruto da escravidão. Semente da revolução. Axé, meu irmão! Ressoam os atabaques da libertação. É dia de gritar contra toda forma de opressão. Voa livre e quebra as correntes, meu gavião.
Já fui mercadoria. Hoje resgato memórias lançadas ao mar. Reis e rainhas escravizados, de mãos acorrentadas, de corações alados. Reis e rainhas eternizados no tronco dos baobás sagrados. Ancestralidade é o recanto da liberdade da realeza negra, chama que mantém viva a herança africana. Batuque, dança, fé e a força da savana. Relicário que o tempo não eliminou. Não foi censura, chibata ou tortura que a minha cultura apagou. E quando a justiça é cega, minha raiz se encarrega de dizer quem sou. Lembra de mim? Sou aquele que a história renegou.
Consequência. Nem sempre tive consciência, mas hoje sei o que me levou a este beco sem saída, sem rumo, sem alternativa, que desde cedo me aprisionou. Pobreza, mazela, a miséria da favela foi o que me educou. Preconceito. Você me vê bandido, mas não vê quem me roubou. No lixão da vida, eu também sou professor. Eu já morri na fila à espera do doutor. Covardia. Dia após dia, sigo o que você me programou. A máquina gira produzindo mais rancor. Escravidão persiste no desamparo do trabalhador. As migalhas que você me oferece só aumentam minha força para mostrar o meu valor!
Basta! Acaba aqui a história contada pelo opressor. Num levante à moda brasileira, o carnaval segue seu ímpeto subversivo e faz revolução em plena avenida. Por todos os pretos, miseráveis ou “vagabundos” relegados pela tirania. Por todos que ergueram seus punhos e lutaram por justiça e igualdade. Por João Pedro, Miguel e outros mil abandonados pela pátria-mãe hostil. Ouçam a voz da Fiel! É chegada a hora da luta sair do papel!
Uns com tudo, tantos sem ninguém. O dinheiro move o mundo e dele somos reféns. Do lado de lá, fartura adquirida com o suor dos nossos. Do lado de cá, um banquete de ossos. Lá, luxo e ostentação. Aqui, pobreza e opressão. E assim seguimos divididos, raivosos e corrompidos no ventre das mazelas sociais. É lá que começa a guerra, mas é aqui que acaba a paz.
Liberdade. Quanto custa? Onde tem? A pátria armada faz de novo os seus reféns. Não passarão? Já passaram – e foi por cima. E a sanha deles é calar a minha rima. Censura silenciando a cultura. A tirania manipulando a verdade. E há quem diga que fuzis garantem liberdade. O grito por respeito segue amordaçado. Um tiro na alma de quem clama por dignidade. Guerra santa ainda ontem eu vi. Intolerância contra o povo de Zumbi. Lembrei de tudo, de todos os irmãos que morreram em vão, aniquilados pela maculada inquisição.
Das caravelas aos engravatados, tiranos disfarçados conduziram a história. Mas é tempo de reconquista! É tempo de descolonizar o pensamento e valorizar a essência nativa. É chegada a hora de reverter os processos de invasão e opressão que reprimiram a nossa verdadeira alma tupiniquim. Como ensinou o cacique Raoni, é preciso lutar contra os “importadores de consciência enlatada”, contra os usurpadores que desde 1500 se empenham em “passar a boiada”. Pois Pindorama é raiz que jamais será “queimada”.
E é por isso que eu levanto a minha voz para saudar os bravos imortais que ousaram sonhar e fazer diferente. Nomes marcados na história, gente que lutou pela gente. Lá na África do Sul encontrei inspiração, o povo do Soweto resistiu à repressão. Era o rei Mandela unificando uma nação. Com Frida, utopia florescia, um brado em forma de poesia. A força da mulher lutando por transformação. E lá na Índia, Gandhi ensinou que um povo livre se faz na força da união.
Peito aberto, cabeça erguida! Hoje piso na avenida pelos meus direitos! Independência e vida para o povo dos guetos! Educação para as minhas crianças. Saúde para os meus baluartes. “A gente não quer só comida, a gente quer comida, diversão e arte”! Floresce a paz, que é descendente da justiça. A pele do Brasil é mestiça. Democracia semeando a igualdade e a cidadania em todos os cantos da cidade. O poder da massa e o fim do preconceito. Glória aos guerreiros que despertaram um novo tempo. Mesas fartas, filhos sãos e a natureza respeitada! Unem-se todas as irmãs e os irmãos em corrente forte que jamais será quebrada.
Chegou o dia da revolução! Olho nos olhos do meu irmão e sei que posso festejar. O amor rompe toda opressão. Calam-se os fuzis para a minha escola passar. Aqui nenhum golpe prospera, nenhum tirano vai se criar. Somos Gaviões, a democracia corintiana nos ensinou a lutar! Um por todos e todos por um. Nada mais nos impede de sonhar!